Por: João Tavares Calixto Júnior (*).
Capela de São Benedito na Povoação de Venda Grande, distante 5 léguas da Vila de Lavras (1859) - José dos Reis Carvalho |
Viemos agora tomar pé neste breviário delineamento, intrínseco à pesquisa científica fundamentada, ao que diz respeito à elucidação da história eclesiástica do município de Aurora, denominado Venda Grande à época da passagem da Comissão Científica de Exploração pela região, em 1859.
Eis, a partir da ênfase nestes traços, um pujante subsídio para não mais nos depararmos com a ambiguidade histórica, que norteia as teorias sobre a verdadeira origem desta urbe cearense. Malogrado, conquanto, é o entusiasmo dos aurorenses e simpatizantes, ainda, em ver versões díspares serem levantadas sobre a derivação pontual desta comuna. Conforme se salienta na literatura referente à história aurorense, existe "certa controvérsia" sobre a primeira igreja erigida no local. Para uns, foi a Capela de São Benedito, construída por um homem de cor vindo da Bahia, o primeiro domo. Para outros, a Capela do Menino Deus, levantada pelo Coronel Xavier cumprindo promessa feita à sua esposa.
Em solenidade realizada na Associação Beneficente Aurorense (A.B.A), em 10 de novembro de 1983, durante as comemorações alusivas ao primeiro centenário da autonomia política do município, viu-se Joaryvar Macêdo (Filho de aurorense da Jitirana, Maria Gonçalves Torquato), a convite de seu parente, o cel. Antônio Vicente de Macêdo (prefeito de 1982 a 1988), divulgar a sua “Notícia Histórica de Aurora”, publicada a posteriori na Revista do Instituto do Ceará, tomo XCVII, ano XCVII (Fortaleza, 1983), assim como em “Temas Históricos Regionais” (Fortaleza, 1986). Na ocasião, afirma o historiador, um dos mais abalizados nascidos em terras cearenses, ter sido a Capela de São Benedito a primeira construída no município. Aponta isto a dois simplórios fatos: As denominações "Aurora Velha" e "Aurora Nova", referentes aos locais das capelas de São Benedito, na primeira e Menino Deus na segunda; e ao fato da pintura feita por José dos Reis Carvalho durante a passagem da Comissão Científica por estre trato do Salgado.
Sobre esta Comissão, primeira iniciativa genuinamente brasileira a objetivar explorar riquezas naturais do país, foi formada por alguns dos mais importantes estudiosos dessa época do império, e foi dividida em cinco seções, a saber: Etnográfica e narrativa da viagem, liderada pelo prestigioso poeta romântico indianista maranhense Antônio Gonçalves Dias, bacharel, professor de latim e história do Colégio Pedro II; Astronômica e Geográfica, por Giácomo Raja Gabaglia, matemático e lente da Academia da Marinha; Geológica e Mineralógica, pelo adjunto da seção de Geologia e Mineralogia do Museu Nacional desde 1849, Guilherme Schuch de Capanema; Zoológica, dirigida pelo já referido Manuel Ferreira Lagos e Botânica, dirigida por Francisco Freire Alemão de Cisneiros, médico respeitado e um dos mais conhecidos botânicos brasileiros, sobre o qual descreveremos, oportunamente, e em outro trabalho, o conteúdo de seu diário de bordo acerca de expedição na região do vale do Salgado e Cariri cearenses, com relativa minúcia.
Eram integrantes da comissão ainda como adjuntos, os seguintes: João Pedro Villa-Real, naturalista preparador, era irmão de Luiz Antônio Vila-Real, adjunto da seção de zoologia do museu desde 1855; Agostinho Vitor Borja Castro, matemático, futuro professor da Escola Politécnica do Rio de Janeiro (1872); João Martins da Silva Coutinho e Manoel Freire Alemão (sobrinho de Francisco Freire Alemão), futuros diretores do Museu Nacional (seções de Botânica e Geologia, respectivamente), e ainda, José dos Reis Carvalho, o célebre pintor e desenhista da comissão, professor de desenho na escola da Marinha.
É do referido pintor, a autoria do primeiro desenho sobre Aurora: A pintura referente à Capela de São Benedito na Povoação de Venda Grande, região de Lavras feita aos 3 de dezembro de 1859. dia em que chegaram ao lugar, vindo de Lavras, a cavalo, pelas ribeiras do rio Salgado. Era a "Ribeira que sulcava a senda", que o poeta Serra Azul cita em um de seus mais brilhantes versos sobre sua terra natal..Descreve-a (a Capela), Barroso (1948, pág. 23), baseado em texto dos "Científicos", como estando: "inconclusa. Frontão Barroco minguado e frusto. Segundo a tradição, foi levantada à custa de esmolas angariadas por um pobre homem de côr, chamado Benedito. As paredes laterais ficaram sem reboco".
O naturalista Freire Alemão informa também sobre o responsável pela construção da Capela:: "Sr. Benedito de tal, filho de Aracati (...) foi ele quem começou a igreja que serve de freguesia, cuja administração passou a outros e que está por acabar". (ALEMÃO, 2006, p. 216).
Por ocasião de uma doença, este senhor fez uma promessa que edificaria uma igreja dedicada a São Benedito e, como era costureiro e pobre, o faria por meio de esmolas. Conseguiu angariar fundos procurando na corte deputados, senadores e obteve até mesmo ajudas do imperador e da imperatriz, dos frades de São Bento e de outras pessoas: "Este homem nos obsequiou muito, parece sisudo e honesto; mas há quem duvide de seu desinteresse e honradez". (ALEMÃO, 2006, p. 217).
Freire Alemão escreve existir na Povoação da Venda, produção de diversos alimentos importantes como milho, mandioca, milho, feijão e arroz:."Esta povoação pertence à freguesia de Lavras, a sua cultura industrial consiste principalmente na plantação e preparação de fumo e na de alguns [tipos de] algodão, e em algumas engenhocas onde se faz rapadura e aguardente. Planta-se nas vazantes muito alho e cebola, que se exportam para vários lugares". (ALEMÃO, 2006, p. 220).
Salienta ainda Alemão (2006, pp. 220-1), ser a Venda Grande uma região cortada pelo Rio Salgado, à época: "seco e só com poças e tem aqui o fundo de rochas". A Capela de São Benedito, que originou o nome do atual bairro de São Benedito - Aurora Velha, estava localizada em plano mais alto, e sobre camadas sedimentares que desciam até uma parte mais baixa onde, à esquerda do observador, estava uma região mais erodida. Talvez a erosão tenha sido realizada pela força das águas em épocas chuvosas, ou ainda pela água subterrânea, uma vez que Alemão descreve os poços e cacimbas existentes na Venda Grande.
Observa-se, na pintura, o detalhamento na estrutura dos estipes das carnaúbas, Copernicia prunifera (Mill.) H.E. Moore, palmeiras típicas do Nordeste brasileiro, frequentes na região Aurora-Lavras, ocorrendo com freqüência em terrenos salinizados e mal drenados, no entanto, extremamente resistente às semanas de alagamento na época das chuvas. Percebe-se a vegetação exuberante ao fundo e as carnaúbas que, em primeiro plano, se destacam mais ainda que o cruzeiro que lhes é próximo. Pode-se notar ainda que esta imagem foi tomada pouco antes da realização da cerimônia religiosa, momento em que pessoas se dirigiam para o edifício e nele adentravam.
Chama atenção nesta capela, o frontão com simples volutas, três portas na fachada encimadas por um pequeno óculo e duas janelas. Trata-se, portanto, de uma capela menos modesta e que reflete o montante coletado pelo Sr. Benedito citado por Barroso (1943). Foi nesta localidade que tiveram, os da Comissão, a oportunidade de observar a brutalidade das auto-flagelações dos penitentes, assim como na Matriz de São Vicente Ferrer na Vila de São Vicente das Lavras da Mangabeira, onde cehgaram a passar mal ao ver as manchas de sangue dos da Ordem da Santa Cruz, a decorarem as paredes internas do Templo.
Observa-se, conquanto, no que pode ser retirado das conversas entre o Benedito e o botânico Francisco Freire Alemão, não ser este, um escravo alforriado vindo da Bahia, como antes atentavam os historiadores. Desta forma, trata-se de cearense, de Aracati, falecido e enterrado no próprio cemitério da Capela da Venda aos 11 de dezembro de 1863 (Livro de Óbitos, Paróquia de São Vicente Ferrer de Lavras da Mangabeira, Livro 5, pág. 39), encomendado o corpo pelo Vigário Antônio Pereira de Oliveira. Alencar.
Proveitoso se faz ainda comentar, diante do contexto inédito que o cerca, fato ocorrido em sessão extraordinária na Câmara Municipal de Lavras da Mangabeira em 5 de junho de 1863. Na ocasião, reuniram-se os vereadores lavrenses, a fim de informarem ao Presidente da Província (José Martiniano de Alencar) sobre uma solicitação do Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Império (Pedro de Araújo Lima – Marquês de Olinda), que advogava acerca de Benedito José dos Santos. (Ata da sessão da Câmara Municipal de Vereadores de Lavras da Mangabeira, 1863 - Arquivo Público do Estado do Ceará, APECE, DVD 5).
No pedido, atesta o Ministro ao Presidente da Câmara lavrense (Raimundo Tomás de Aquino), que por eleição popular, Benedito teria capacidade para ser zelador da Capela de São Benedito (por ele edificada), ermida esta, filial da Matriz de São Vicente Ferrer.
No pedido, atesta o Ministro ao Presidente da Câmara lavrense (Raimundo Tomás de Aquino), que por eleição popular, Benedito teria capacidade para ser zelador da Capela de São Benedito (por ele edificada), ermida esta, filial da Matriz de São Vicente Ferrer.
Outra versão que acerca o "Mestre Benedito", e que cai por terra ao presente, é a de ter recebido ajuda do Imperador para a construção da ermida, pelo fato de gozar de estima por ter tido dois filhos combatentes da Guerra do Paraguai. Bem verdade, a famosa Guerra do Paraguai, deflagrou-se um ano após o seu trespasse (dezembro de 1864), não tendo tido, portanto, influência alguma na vida deste co-fundador de nossa querida terra mãe.
Julga-se prócero, inferir ainda, que após a morte de Benedito José dos Santos, acentuaram-se os melhoramentos na outra Capela, a do Menino Deus construída pelo Coronel Xavier, que logrou êxito e permitiu o desenvolvimento da "Aurora Nova", principalmente após a chegada do Padre Agostinho Affonso Ferreira, assim como consta no antigo Livro de Tombo da Matriz do Menino Deus. Ficou o mesmo à frente da Capela (1864-1872), num momento em que a Povoação da Venda já passava a ser Distrito de Paz, e deu lugar, no final de 1872, ao lendário Padre Joaquim Machado da Silva (Padre Gangan), que assumiu como coadjudor em Lavras em janeiro de 1873, permanecendo até janeiro de 1874, afastado que foi devido a ter sido apontado, injustamente, de protagonizar um dos mais fatídicos acontecimentos de toda a história dessa região do Salgado: O assassinato de Hernesto Carlos Augusto, irmão da lendária Fideralina Augusto Lima, fato ao qual, se fará devida e necessária alusão em outra oportunidade.
(Direitos Reservados - Trecho extraído de obra em elaboração).
Referências Bibliográficas:
ALEMÃO, F.F. Diário de viagem de Francisco Freire Alemão: Fortaleza-Crato, 1859. Fortaleza: Museu do Ceará, Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, 2006. 236 p.
ASSIS JÚNIOR, H. A Iconografia de José dos Reis Carvalho durante a Comissão Científica de Exploração. Tese (Doutorado em Ensino e História de Ciências da Terra), UNICAMP. 256 p. 2011.
BARROSO, G. A Arquitetura dos Sertões. O Cruzeiro, Rio de Janeiro, 16 de out. 1948.
(*) Professor, ex-aluno da E.E.F.M. Monsenhor Vicente Bezerra