FOTO: JOSÉ CICERO APONTANDO O RIO SALGADO. |
No
dia e na semana do Meio Ambiente, nada tão importante e fundamental do que
analisar a história e a situação de degradação por que passa o rio Salgado, o
principal manancial do Cariri.
Na
semana em que o mundo se debruça sobre a celebração do Dia do Meio Ambiente, no
sentido de despertar as atenções para os graves problemas relacionados à
biodiversidade e os recursos naturais, nós careirenses deveríamos igualmente
atentar para a situação de calamidade e penúria por que passa o maior manancial
do Cariri – o rio Salgado. Fomentador natural através do qual todo o Cariri foi
colonizado e se desenvolveu até os dias atuais.
No
passado, o Salgado foi por assim dizer, o caminho natural em torno do qual os
“desbravadores”, os almocreves, os colonizadores, dona Aurora e tudo o mais que
chegou por estas bandas vieram inicialmente em função da existência do rio,
como sinônimo de fartura e de prosperidade anunciada. Para enfim, edificar no
Sul do Ceará, este conglomerado regional-urbano situada no grande vale, o qual
se convencionou denominar de o Oásis sul cearense. Um importante pólo cultural
e econômico do Ceará que malgrado outros aspectos tem uma importância
fundamental para todo o estado.
No
entanto este processo de colonização deixou também um rastro de destruição de
toda sorte para o bioma da nossa caatinga e todo o ecossistema do Salgado. Uma
história de destruição ambiental sem precedente. O que resultou no que se tem
hoje: um rio à beira do esgotamento total. Um manancial que permanece na UTI
ecológica diante dos olhares míopes de uma sociedade cada vez mais sedenta e
indiferente, insensível a todo o estado de degradação e morte anunciada por que
passa o Salgado do Cariri. Uma situação que muito bem poderia ser intitulada:
“Todo o amargo de um rio Salgado”.
O
Salgado foi também o berço da grande nação dos Kariris-novos. Etnia indígena
que a exemplo do próprio rio sofrera as primeiras investidas deletérios da nova
civilização colonizadora cega de poder e riquezas. De tal modo, que os índios
Cariris foram aos poucos sendo expulsos da sua própria terra e,
consequentemente praticamente exterminados. Como foi a praxe dispensada pelos
homens brancos a todas as nações indígenas do Brasil ao longo da história. Como
se isso fosse uma maldade latente, impregnada no próprio DNA dos chamados
homens brancos até os dias atuais. Mas, digamos que o rio Salgado desde os
primórdios, tem sido também uma vítima em potencial deste processo acelerado de
destruição e maldade por meio do qual o homem branco tem se comportado em
relação a quase tudo que diz respeito a natureza e aos recursos naturais.
O
rio Salgado é como se fosse um livro aberto, carcomido em cujas páginas a duras
penas ainda mantêm escrito toda uma cruzada de intensa violência e agressões
efetuadas contra a natureza da região e ao ecossistema em seu entorno. O rio
Salgado foi a célula germinativa responsável pelo surgimento de Aurora e de
toda a região. O rio Salgado é nosso arquidicionado natural. É nossa ligação
mais efetiva e natural como o Atlântico e, portanto, com o mundo.
Com
aproximadamente 42 km do seu leito cortando o município de Aurora de uma ponta
a outra no sentido Sul-Norte, o Salgado é por assim dizer, um rio por
excelência aurorense. Antes no seu nascedouro recebe o nome de Batateiras, depois
de Granjeiro, Salgadinho e Missão Velha. Apenas quando adentra as terras
aurorenses é que se torna grande, adulto, forte, possante, majestoso, se
aprofunda e se alarga, ganhando enfim volume de água, assumindo um aspecto
digno de um rio elegante. E assim segue seu itinerário natural, serpenteando
divinamente, pelas ribeiras do Cariri Oriental espalhando sua fertilidade por
mais de 23 municípios numa extensão de quase 300 km.
Com
uma capacidade de acumulação de água superficial de cerca de 447,41 milhões de
metros cúbicos com uma bacia composta por 14 açudes. Irrigando apenas em Aurora
pouco mais de 4 mil hectares de terra, seguindo assim a gravidade natural do
nosso chão até desaguar na altura do Icó desembocando nas fímbrias do Jaguaribe
a se precipitar no castanhão e de lá, para o mar do Atlântico. Mas antes o
Salgado “adoça a vida e alma” de todo o povo caririense em especial, dos
aurorenses que há muito mantêm uma relação muito estreita de amor com suas
águas e beleza. Aurora de fato, por tudo isso, é um presente do Salgado.
O
Salgado que é um eterno milagre sempre a possibilitar a multiplicação do pão da
terra para os seus filhos como se todos fossem seus filhos-moradores
ribeirinhos... Quase sempre grávidos de bonança e de promessas o Salgado mata a
sede e alimenta a fome e as necessidades dos seus protegidos, O Salgado é um
instante eterno de grandes e absolutas alegrias. O Salgado é a certeza de um
recomeço sempre prometido no horizonte das esperanças sertanejas. Uma relação
profunda de afeto e gratidão com os homens e mulheres que trabalham a terra a
irrigando com o suor do rosto e os calos das mãos. O Salgado e a mais próxima e
autêntica ligação que existe de toda uma gente dos grotões do Cariri com o chão
das nossas raízes ancestrais.
A
perspectiva do futuro melhor sempre expresso no semblante e no coração do que
acreditam na fartura da terra, assim como na providência divina sob a
intercessão do padre Cícero e Frei Damião. O sangue da luta da nossa
ancestralidade sempre a irrigar de esperança a fertilidade da região, como se
fosse a ponta do punhal de Virgulino, o Lampião. O saldo é sempre assim: um
misto das coisas que sempre engrandecem para o todo e sempre o Cariri e os
aurorenses onde que quer se encontrem.
Mas,
infelizmente, o Salgado está morrendo. Porém os seus gritos de socorro só podem
ser ouvidos por aqueles que vêem mais pelos olhos da alma, da consciência, da
ética e do coração. O Salgado é um estado de espírito que sempre nos eleva.
Nunca o Salgado precisou tanto dos contemporâneos. O Salgado está na UTI,
prestes a entrar em como profundo. E quando chegar a este dia que já se
avizinha, a situação se tornará irreversível. Será um caminho sem volta. E a
natureza irá cobrar de todos nós seus honorários ecológicos com juro e
correção. E a partir daí, talvez pela primeira vez, possamos quem sabe perceber
o quão cruéis fomos todos na maneira irresponsável e desarmoniza com que nos
relacionamos com esta verdadeira dádiva da vida que os céus ofereceram aos
homens. Urge que pensemos em tudo isso enquanto ainda há tempo para alguma
coisa. Um grande abismo começa a se abri sob os nossos pés. Temos que ter
olhos, consciência e ouvidos para este perigo.
Salvemos
então o Salgado, enquanto temos condições objetivas. Já estamos quase no tempo
e no ponto limite. Daqui a pouco será um caminhos sem volta. O Salgado clama
por nossa intervenção sustentável e solitária. É ele o maior símbolo de
exuberância da nossa natureza que nos rodeia. O Salgado é singular naquilo em
que é mais plural, ou seja: o modo como sustentou toda uma geração com os seus
recursos naturais sem nunca pedir algo em troca. Todo o Cariri e o Ceará como
um todo mantém uma dívida impagável com este manancial do vale fértil correndo
calmante sob os pés do Araripe.
O
Salgado está morrendo. Precisa com urgência ser revitalizado juntamente com os
seus afluentes. O Salgado é um exemplo de exaltação a própria vida do Planeta.
Para tanto precisamos defendê-lo como quem defende até as últimas conseqüências
o próprio filho. Do contrário, quem sabe poderemos conhecer o mesmo fim que
tiveram os dinossauros. Nossa autodestruição não constitui mais uma utopia
catastrófica, mas uma possibilidade das mais previsíveis, caso não mudemos
desde já, nossa relação com a natureza e a biodiversidade como um todo.
Defender
o Salgado precisa ser uma prioridade de cada cidadão, inicialmente assumida com
sua própria consciência como premissa para a cidadania e a manutenção da
própria vida, de todos como mais uma espécie que também corre perigo, no claro
caminho da autodestruição. Viva o rio Salgado e que o Salgado viva para sempre
nos nossos corações. A vida da biosfera e as futuras gerações dependerão das
atitudes que tomaremos agora, sem demora... Viva o Salgado, viva!
José
Cícero é professor, pequisador e Secretário de Cultura, Turismo e Desporto de
Aurora-CE.
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