FOTO: PE. JOSIAS, LUIZ DOMINGOS E FRANZÉ DE AURORA. |
Qual não foi a dor do Padre Francisco França, quando no ano de 1978,
notificou que havia uma grande fissura na torre Norte da Igreja Matriz de
Aurora! Que a cada dia aumentava.
Populares já contavam como certo o desmoronamento, pois os habitantes já
não passavam por aquele espaço ameaçado.
Na oportunidade, pude presenciar e acompanhar o sofrimento desse grande
homem de fé que durante toda sua vida passava para a sociedade, à tenacidade, a
luta, a garra, a determinação de permear para toda a unidade social, a
civilidade, a religiosidade e a fé.
Sempre com o pensamento iluminista, ante uma visão de futuro que
envaidece a todos nós até hoje. Pois, já naquela época, pensava em construir a
Concha Acústica de Aurora como um ponto iniciático para o desenvolvimento da
música, da cultura, das artes cênicas, da literatura.
Era realmente um grande paradoxo! O homem que idealizou a Concha
Acústica de Aurora, ver o seu templo religioso periclitante, pois, lenta e
constante, a fenda teimava em desafiar o otimismo daquele sonhador, numa
verdadeira provação de fé.
Como discípulo, fiz questão de acompanhar os passos do mestre e
verificar as suas ações, diante dessa situação vexatória.
Foi quando, numa bela noite, fui convidado para, junto com o venerável
mestre Padre Francisco França, fazer uma visita ao casal Sebastião Alves
Pereira Filho - Dr. Bastim - e a sua esposa, Terezinha Alves Pinto - D.
Terezinha.
Confesso que fiquei muito surpreso com a naturalidade da conversa, tudo
de forma espontânea, de uma racionalidade brilhante; ouvia, atentamente, os
dois mestres conversando.
Foi quando o padre convidou o casal para solucionar o problema da
fissura da torre.
Fiquei admirado quando prometeu fazer uma reforma completa na
igreja, inclusive mudar o teto que já se encontrava bastante estragado, colocar
colunas internas para diminuir a força nas torres e construir um belo
altar-mor.
Por fim, fazer uma reforma completa.
Ora, para mim o conserto da torre já era o bastante, mas fazer uma
reforma completa, aí já era demais. Assim, o casal mobilizara seus familiares
realizando o sonho que naquele momento parecia ser o sonho de todos os
aurorenses - a construção da maior obra artística de Aurora; A Última Ceia no
altar-mor da igreja matriz do Menino Deus, que logo em seguida, foi devidamente
esculpida pelo escultor aurorense Francisco José de Oliveira, (Franzé de
Aurora).
Passei, a partir daquele momento, a frequentar o trabalho todas as
noites, contemplando a mudança daquela argamassa disforme em futuras
representações de Apóstolos, Jesus Cristo, mesa, adornos; todos os detalhes
foram minuciosamente pensados, analisados e polidos.
Não tinha pressa! Fora tudo
majestosamente feito no silêncio da noite e das madrugadas; eu ficava pensando:
como pode tanto zelo! Tanta dedicação! Nenhum fiscal, nenhuma cobrança? Até parece
que a obra não tinha prazo para ser entregue.
O escultor esculpia de forma serena, lenta, gradual, observava todos os
detalhes. Era como se fosse uma missão, tudo numa tranqüilidade plena. Assim, a
obra ficou pronta, linda inclusive! Mas Dr. Bastim queria um altar em mármore.
Mármore puro. Era como se já tivesse projetado na mente aquela última Ceia,
ainda nos seus verdes anos; assim, tudo foi feito da forma mais natural
possível.
Dr. Bastim queria mais, pois para ele a obra não estava acabada, faltava
o órgão. A igreja foi fechada e numa bela manhã o padre pediu para que às nove
horas em ponto eu estivesse presente na casa Paroquial, quando, às 9h30min dois
carros pararam em frente à casa paroquial.
O padre me apresentou os
benfeitores daquela comissão formada por Dr. Bastim, sua esposa, D. Terezinha
Alves Pinto, Dr. Wilames, Dr. Danúbio, bem como os jornalistas Edilmar Norões,
João Inácio Júnior, Neno Cavalcanti e Lúcio Brasileiro.
Em seguida entramos na Igreja Matriz. O padre descobriu a obra como quem
anunciava um sacramento. Estava, enfim, realizado o sonho de Dr. Bastim - A
Última Ceia, linda! Envernizada, as colunas bem acabadas, o teto novo, o piso
da escadaria do altar, tudo de mármore. Aí eu vi um pano vermelho que cobria
algo e, numa emoção exagerada, descobri: era um órgão, novinho em folha.
Não me contive diante daquele instrumento fadado à história. Pressionei
algumas teclas e o som fluentemente saíra. Confesso que nunca havia visto nada
igual: Um órgão! Perdi a noção do tempo e do espaço diante das minhas próprias
abstrações eclesiásticas.
Quando cuidei de mim, estava sozinho na igreja, naquele templo sagrado
de Deus, onde, a partir de então, a música seria muito mais que uma ponte a nos
transportar à seara celestial.Este dia me marcou para sempre, pois tudo era um
sonho. Não somente o sonho de Dr. Bastim. Não somente o sonho de Padre França.
Não somente o meu sonho, mas o sonho de todo povo de Aurora, materializado a
partir daquele instante eterno.
(*) Professor-Aurora – Ceará
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